sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

UM OLHAR SOBRE A MISCIGENAÇÃO E A SEXUALIDADE NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

UM OLHAR SOBRE A MISCIGENAÇÃO E A SEXUALIDADE NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

Ao tratar da dimensão que a sexualidade ocupa na construção das interpretações sobre a realidade brasileira e da idéia de identidade nacional principalmente no que se refere a questão sexual, produziu-se ao longo de nossa história traços que se constituíram desde os primórdios da colonização, nas relações primárias quando chegaram os conquistadores iniciando um processo de miscigenação racial.
Nesse sentido, pode-se dizer que as relações entre a cultura erótica e a ciência têm sido tensas e complicadas. Na realidade, o erótico permeia o cotidiano dos brasileiros, de norte a sul Percebe-se uma sociedade extremamente sexualizadas em todos os sentidos. Sem dúvida, a sexualidade tropical do sul do Equador n~]ao deixa de ser estimulada pelas indústrias do turismo, na exportação de mulatas sensuais, e de tudo aquilo que é conhecido no imaginário do “Brasil Tropical”.
Conforme Sergio Buarque enfatiza que o Brasil foi colonizado por povos aventureiros, mais do que trabalhadores, o que exigia sempre o imediato das situações. E assim, chama atenção ao fato de que apenas recentemente os brasileiros percebem a centralidade remetida a sexualidade no discurso dos intelectuais.
Ronaldo Vainfas questiona a imagem desregrada da Colônia, produzida pelos intelectuais da década de 20 e 30, onde tentam reforçar uma imagem discriminatória através de regras, normas e formas de culpabilizar a cultura brasileira. Mas esqueceram de perceber a discriminação racial, o descaso das autoridades, a exploração do ser humano, a pobreza e a miséria da população. O falso moralismo sempre se faz presente quando apraz a aparecer para reforçar os interesses da elite.
No entanto, segundo Gilberto Freyre: “A fornicação tropical não faltaram, pois, normas rígidas.(...) Por mais sexualmente intoxicada que tenha sido a colônia, os valores da família, mescla da cultura popular e do discurso oficial que se fizeram presentes.” È importante desconstruir as narrativas históricas produzidas e reproduzidas continuamente sobre o discurso da sexualidade na colônia e que assume papel primordial na leitura sobre as origens do povo brasileiro. A noção da sexualidade, no Brasil não está presente apenas na percepção que cada indivíduo faz de sua existência, mas na auto-afirmação de toda a sociedade.
Para Paulo Prado a cultura sexual seria de origem da tristeza brasileira e não da alegria, como aparece em Gilberto Freyre. A elite oligárquica decadente, representante de seu pessimismo e às vésperas das transformações políticas de 1930 receia a degeneração, do escurecimento do país, onde almejava-se o embranquecimento populacional. Assim, era necessário repelir os instintos raciais.
Conforme diz ainda o autor:

No Brasil a tristeza sucedeu á intensa vida sexual do colono, desviada para as perversões eróticas, e de um fundo acentuadamente atávico. A hiperestesia sexual que vimos no correr deste ensaio ser traço peculiar ao desenvolvimento étnico de nossa terra evitou a segregação do elemento africano, como se deu nos estados Unidos, dominados pelos preconceitos das antipatias raciais. Aqui a luxúria e o desleixo social aproximaram e reuniram as raças. (1929, p. 121-188).


Percebe-se que a cultura brasileira desde os primórdios da colonização é marcada por uma identidade nacional que reforça a estigmatização do outro percebido como desvio, perverteram o sexo e todas as práticas sexuais foram postas sob o signo do discurso intelectual, explicada e analisadas, classificadas e condenadas. Por outro lado, o discurso médico sobre o corpo e a sexualidade é apropriado como verdade científica. Em Gilberto Freyre, a vida sexual no Brasil é positiva, responsável pela democracia racial, apesar da propagação das doenças venéreas, o povo brasileiro se origina nesta perspectiva de miscigenação das três raças que especialmente não tiveram maior problema para se fundir, pois a atração sexual foi mais forte do que as exigências legais e racionais da união entre os diferentes.
Segundo Freyre:

O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne. Muitos clérigos, dos outros, deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses.Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho.(1936, p.60)



Percebe-se que segundo esse autor que a aproximação entre as diferentes raças decorre de um forte impulso sexual. Assim, foram sexualidades exaltadas as dos dois povos que primeiro se encontraram na América. Contrário a idéia de lubricidade maior comunicou-se ao brasileiro o africano, parece-nos que foi precisamente este, dos três elementos que se juntaram para formar o Brasil, o mais fracamente sexual e o mais libidinoso, o português.
A sexualidade adquire uma dimensão mais intensa na interpretação histórica de Freyre, no sentido de que é fator fundamental na determinação das relações que se estabelecem na esfera pública. Esta é moldada por modelos emprestados do mundo privado, onde as relações são sobretudo marcadas pelo sado-masoquismo. Assim, as relações estabelecidas entre senhor e escrava transfere-se para a esfera pública, caracterizando as relações sociais.De fato, tendo a sexualidade como lugar de constituição e origem da personalidade do homem brasileiro compromete-se com este imaginário sexual de sadismo de senhor e o correspondente masoquismo de escravo, excedendo a esfera da vida sexual.
Sergio Buarque, não fundamenta a construção de caráter brasileiro no campo da sexualidade, a exemplo de Paulo Prado e Gilberto Freyre, enfatiza como traço principal da brasilidade o predomínio do emocional e do instintivo sobre o racional. A mestiçagem brasileira é antes de tudo uma resultante do problema sexual da raça dominante, e por centro o colono branco. Neste cenário de três raças, uma dominando ou e duas sendo dominadas estando em contato e o branco dirige a seleção sexual no sentido do embranquecimento.
A mestiçagem decorre, de uma qualidade excepcional do português em se cruzar com outras raças. Isso talvez se deva em grande parte à forma da emigração dos portugueses, que vieram sem família. A falta de mulheres brancas sempre foi um problema de toda a colonização européia em territórios ultramarinos. Na realidade, toda sociedade organizada se origina e se funda nos aspectos econômicos e sexuais. A sexualidade é referida com centro de explicação da organização social e como lugar privilegiado da leitura que se produz a respeito do passado e da cultura brasileira.
Portanto, pode-se dizer ainda, nesse contexto, a questão de lugar central da sexualidade na construção da identidade nacional e na interpretação da história brasileira pode ser anunciada forçando uma releitura historiográfica. Paulo Prado considera que o desregramento do conquistador europeu se deve principalmente devido a sensualidade da índia e das caboclas. A vantagem da miscigenação correspondeu no Brasil a desvantagem da sifilização. De todas as influências sociais talvez a sífilis tenha sido, depois da má nutrição, a mais deformadora da plástica e a mais depauperadora da energia econômica do mestiço brasileiro.

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