sábado, 27 de fevereiro de 2010

O ENSINO EM HISTÓRIA

AS MÍDIAS COMO RECURSOS METODOLÓGICOS

Ao refletir acerca dos novos recursos pedagógicos e das atitudes teórico-metodológicas da docência em História, precisamos pensar no significado das iconografias e na compreensão para a educação. Além disso, as imagens apresentadas nas obras devem despertar a curiosidade e levar o aluno a problematizar os conceitos e os registros históricos e a pensar sobre a ação dos sujeitos históricos. O que nem sempre acontece nos livros didáticos. É importante utilizar as fontes iconográficas no ensino de história uma vez que estas ocupam lugar relevante e têm sido objeto de destaque em suas mais variadas expressões: fotos, gravuras, pinturas, cartazes, desenhos, charges, gráficos, caricaturas, plantas e mapas.

Assim, o livro didático, tornou-se parte da cultura escolar e atualmente está inserido num contexto de grandes transformações conceituais do que significa conhecer, educar e saber. Na sociedade da informação, na qual se multiplicaram os instrumentos pedagógicos de aprendizagem escolar e novas linguagens surgem como forma pedagógica de conhecimento, o livro didático ainda continua sendo um dos instrumentos pedagógicos básicos de acesso ao saber da grande maioria das escolas. Podemos afirmar que não é possível falar em escola sem falar no livro didático. Muitos estudiosos e educadores ainda vêem o livro didático com grande preconceito, argumentação que é um material que serve como “muleta para o professor”, e que o bom professor não necessita de livro, pois deve conhecer profundamente todo o conteúdo discursivo da matéria que leciona.

Entretanto, a pesquisa histórica é um meio para se inserir os vários recursos por considerar um meio pedagógico que lida com diversos tipos de fontes e suportes variados, além da importância de suas especificidades do trabalho com esses materiais. O domínio de técnicas e linguagens aplicáveis a documentos de diferentes tipos (escritos, iconográficos, orais, musicais, etc,) requer um exercício constante e recorrente de pesquisa, não havendo uma fórmula única para lidar com eles.

De fato, as representações cartográficas e a iconografia são recursos importantes que contribuem para o conhecimento histórico. Lidar com fontes e linguagens diferenciadas, principalmente visuais requer certas habilidades, que podem ser desenvolvidas pelo exercício constante do olhar. Esse olhar não é apenas sensorial, mas parte de uma operação intelectual complexa, que envolve observar, identificar e compreender o significado das imagens.

A pesquisa seja no âmbito científico ou referente ao saber escolar é um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriar-se de um olhar consciente para sua própria sociedade e para si mesmo.

Nesse sentido, o uso da iconografia no ensino de História seja ela uma fotografia ou a reprodução de uma obra de arte pintura, escultura, gravura, desenho ou caricatura, por exemplo, em suas diversas técnicas e suportes, são documentos históricos de igual valor ao da documentação manuscrita ou impressa.

Por outro lado, não se deve esquecer de que o recurso do filme é muito importante, no entanto, é preciso que o professor assista ao filme antecipadamente e analise a necessidade de um trabalho de contextualização do filme junto aos alunos. Isso é valido, inclusive, para os filmes indicados nos livros didáticos. Sabe-se que para a análise de um filme, em primeiro lugar, é conveniente considerar que o autor (diretor) fez um recorte da realidade, observou-se sob determinado ângulo e fez seleções adequadas. Essa atitude contribui para a análise do “lugar social” de quem produz uma obra.

Os materiais didáticos são expressões de representações e em cada um deles deve-se adotar um procedimento específico para analisá-los. A fotografia como linguagem documental representa uma dada realidade em um determinado momento. Além disso, vale ressaltar que o livro didático, não pode ser exposição fria e mecânica de conhecimentos adquiridos e transmitidos. Tendo por objetivo desvendar a experiência dos homens vivendo no tempo, em sociedade, e empreender a compreensão ativa da realidade social, a História quer ser um elemento de tomadas de consciência para as pessoas que a ela se chegam.

Por isso, sendo o conhecimento é provisório, o aluno terá condições de exercitar nos procedimentos próprios da História: que seja através da problematização das questões propostas, da delimitação do objeto de exame e do estado da questão, e da busca de informações. Assim, no âmbito dos procedimentos que lhe são próprios co-existe uma ampliação do conceito de fontes históricas, que podem ser trabalhadas pelos alunos como: documentos oficiais, textos de época e atuais, mapas, ilustrações, gravuras, imagens, poemas, letras de música, literatura, manifestos dentre outros.

Sendo assim, os recursos visuais iconográficos, gráficos, mapas, bem como outras representações visuais espalhadas também no livro didático e pelos espaços públicos e privados, constituem-se materiais valiosos de interpretação. Pode-se dizer que há um ponto que se deve considerar entre a documentação iconográfica como recurso pedagógico e a escrita ambas são fundamentalmente, representações da realidade, que, na maioria das vezes, não refletem diretamente o real, e assim devem ser encaradas. Em suma, são versões a respeito dos fatos e acontecimentos que servem de apoio ao processo de ensino–aprendizagem.

Em relação aos livros paradidáticos e didáticos, eles entram na sala de aula como objetos cuja intenção é apresentar um conhecimento já organizado e fechado. Por conseguinte, no que se refere às atitudes teórico-metodológicas da docência em História, ainda é possível dizer que para nós professores, a educação compreende dois pontos indissociáveis. De um lado, ela se faz pela transmissão do saber, que se constitui de conteúdos considerados socialmente relevantes, e chegam ao aluno “de fora para dentro”. De outro, é preciso extrai respostas dos alunos ativamente, instigá-lo a produzir o saber, propiciando situações das quais possam emergir sua própria interpretação dos conteúdos transmitidos. Enfim, tão importante quanto a transmissão de conhecimentos e experiências socialmente acumuladas são os estímulos promovidos em prol ao desenvolvimento das habilidades e competências que tornam o aluno apto a aprender e a conhecer.

Portanto, a proposta do ensino importa uma organização de conteúdos devidamente articulados e das estratégias determinadas para trabalhar os conteúdos satisfatoriamente, devendo deixar claro que os conhecimentos históricos existentes não se constituem algo pronto e acabado, mas que se compreendem um processo de mudanças e transformações e assim os conhecimentos são transmitidos e acompanhados pelos novos recursos pedagógicos existentes na educação e as diferentes atitudes teórico-metodológicas que os profissionais em História podem utilizar-se.

ENREDANDO NA CASA GRANDE: GILBERTO FREIRE

Casa Grande e Senzala – Gilberto Freyre

Ao publicar Casa-Grande e senzala em 1933, escreveria Gilberto Freyre: “Desde logo salientamos a doçura nas relações de senhores com escravos doméstico, talvez maior no Brasil do que em qualquer outra parte da América.” A frase expressa com clareza a visão que perpassa o livro e a obra em geral do sociólogo pernambucano sobre a escravidão brasileira: a amenidade dessa escravidão, sobretudo se comparada com a de outros países escravocratas. Essa visão daria margem à grande polêmica historiográfica sobre a caracterização do sistema escravista, até hoje não resolvida, pois condicionada às influências ideológicas e, conseqüentemente, ao enfoque teórico de cada autor. Justamente por isso, também são polêmicos os inúmeros aspectos abrangidos pelo tema e pela bibliografia, que é vasta, em função da importância assumida pela escravidão nos países onde foi implantada.

Mas o marco inaugural nas análises da cultura brasileira seria Casa Grande & Senzala, estampada em 1933. fecho de um período do pensamento brasileiro, e início de outro, é também, uma obra híbrida de tradição e renovação, em muitos pontos nostálgica de um Brasil que chegava ao fim, o de antes de 1930, visto por Gilberto Freyre de forma análoga.

Se do ponto de vista ideológico o autor ainda se filia a um país arcaico, desejando que o Brasil fosse um vasto engenho Japaranduba como o de seu primo, Pedro Paranhos. É inegável a inovação documental e temática trazida por sua primeira obra e mantida nas que se seguem. Freyre dignificou os anúncios de jornais, os diários e a correspondência familiar, os escritos de viajantes estrangeiros, os livros de receitas, as fotografias, as cantigas de roda e toda a tradição oral, multiplicando os suportes culturais a disposição do historiador.

Antes de toda a produção historiográfica contemporânea, centrada na questão das mentalidades e da cultura, mostrou-nos que os tempos da vida são objetos da história tanto quanto suas invariantes ou como o próprio ecúmero.

Freyre inovou também no método, onde, contudo s fragilidades e incongruências se fazem notar de forma mais evidente, como ressaltaram posteriormente. Assentou as bases de seu livro no critério da diferenciação entre raça e cultura: a primeira deixaria de ser categoria explicativa, papel atribuído a cultura. Se a exploração econômica foi violente e iníqua, a mestiçagem atuou como elemento atenuador, diminuindo as distâncias entre a casa senhorial e a senzala. Os males tradicionalmente imputados à mestiçagem, as doenças, a amoralidade, a apatia, a aversão ao trabalho passaram a ser atribuído ao sistema econômico. Ao contrário da monocultura, a mestiçagem mostrou-se benéfica no Brasil, e em casa Grande & Senzala viu-se pela primeira vez, abordada como fato social, como dado sociológico, em que a transmissão cultural, o momento da cultura, conta mais do que a transmissão genética.

A percepção da mestiçagem como um valor positivo permitiria a Freyre exaltar a superioridade dos portugueses como colonizadores: muito mais tolerantes plásticos e flexíveis que os demais povos, empreenderiam a colonização sob a égide da mobilidade, da miscibilidade e da aclimatabilidade. Teórico de um luso-tropicalismo e, em última instância, justificador do imperialismo português, Freyre ganharia grande prestígio em Portugal durante o regime ditatorial de Salazar.

A mestiçagem aliada a valorização da cultura, destaca a originalidade de práticas, crenças e costumes cotidianos tributários do entrecruzamento dos três grupos que constituíram o povo brasileiro:portugueses, africanos, indígenas. Sem utilizar a expressão ou problematizar o conceito, Freyre lançou, portanto, as bases da análise da mestiçagem cultural no Brasil, vista numa perspectiva predominantemente harmônica, posto que capaz de equilibrar os antagonismos entre culturas: a européia e a indígena; a européia e a africana; a africana e a indígena. Tal mestiçagem pôde ocorrer devido ao estabelecimento de certa reciprocidade cultural que, não raro, teve valor estratégico. Hábitos alimentares e culturais depois muito arraigados ao cotidiano luso-brasileiro foram gerados nesse ambiente propício à reciprocidade.

No que diz respeito ás contribuições culturais dos indígenas, Freyre chamou a atenção para a “couvade”; para a finidade com os animais; para o “mito do bicho” que designou como sobrevivência de tendências totêmicas e animistas presentes, entre outros exemplos, nas histórias horripilantes de bichos-papões que comem crianças para o complexo da mandioca, para o “mito do anjo menino”, ou seja, a valorização das crianças mortas, operada pelos jesuítas a fim de responder à terrível mortandade infantil entre os curumins.

Entretanto, a abordagem de Freyre valoriza, sobretudo o aporte cultural africano, destacando-lhe o caráter positivo mostrando que tudo quanto se lhe imputou como tração negativo dizia respeito antes à escravidão.

Parece as vezes influência da raça o que é influência pura e simples do escravo do sistema social da escravidão. Da capacidade imensa desse sistema para rebaixar moralmente senhores e escravos. Se índios e lusos eram tristonhos e melancólicos, o negro trouxe à mistura cultural uma extraordinária alegria e vitalidade. Influenciou as crenças, os costumes, a fala. A língua portuguesa, tão dura, dada a colocar os pronomes em ênclise, foi amolecida pelo negro, que lhe abrandou os SS e os RR, criando uma linguagem falada de crianças grandes que acabou por se generalizar.

A percepção da mestiçagem cultural é traço estruturante na obra de Freyre, cabe destacar outros assuntos que, mais acessórios, abrem, contudo possibilidades inestimáveis para a investigação. Assim, o relevo dado às relações sexuais e á religiosidade popular, considerados objetos dignos de análise e ricos em elementos explicativos da cultura brasileira, mesmo que a perspectiva então adotada não se sustente nos dias que correm.

Na realidade, a sexualidade surge como temática subordinada à questão mais ampla da mestiçagem, desdobrando-se em constatações discutíveis sobre o priapismo do africano ou a menor lubricidade do índio. De qualquer forma, ninguém, ante de Freyre, se detivera com tal vagar da questão, o que lhe confere precedência de mais de quarenta anos sobre interesse muito atual na história das mentalidades francesas ou na história cultural dos anglo-saxões.

O sadismo sexual, imperante nas relações entre senhores e escravos, permanecem antológicas: sadismo manifestado desde a infância, nos “meninos diabos” a se beliscarem e a darem bolos uns nos outros, e atingindo a plenitude na idade adulta: “a exagerada tendência para o sadismo característica do brasileiro, nascido e criado em casa-grande, principalmente em engenho”. E alguns insights, relegados á condição de nota de rodapé, têm suscitado bons estudos contemporâneos.

No tocante à religiosidade, indica a efetivação da vida religiosa e a sexualização dos santos como traços fundamentais da religiosidade luso-brasileira. De Casa Grande & Senzala caberia ressaltar que não se trata de estudo sistemático sobre o período colonial, mas de miscelânea iluminada sobre a história do Brasil até o final do século XIX. Apesar dessa inegável atemporalidade, o produto final revela aspectos até então nunca abordados da cultura na América portuguesa, razão por que influenciou decisivamente os estudos posteriores sobre esse período.

Análise epistemológica

Preocupado, como os de sua geração, com a questão da raça e atento à intensa miscigenação ocorrida no país, Freyre buscou explicar-lhe o significado, concebendo uma sociedade de tipo paternalista, onde as relações de caráter pessoal assumiam vital importância. A família patriarcal foi a base do sistema: resultante da transplantação e adaptação da família portuguesa ao ambiente colonial brasileiro, constituía uma vasta e hierárquica rede de parentesco, uma “ordem privada” impermeável a formas públicas de organização e controle.

Na sociedade assim estabelecida, predominavam a empatia entre as raças e a amenidade na relação senhor-escravo, características que explicariam a miscigenação e seriam peculiares no quadro geral do escravismo americano.

Em defesa de suas idéias, não hesitaria o autor de Casa Grande e senzala em idealizar as práticas escravistas e mesmo exagerar-lhes os resultados, ao dizer que o cativo talvez tenha sido “ o elemento melhor nutrido de nossa sociedade patriarcal”, que os castigos a ele infligidos tinham por finalidade educar e disciplinar, que as “numerosas” alforrias, em conjunto, teriam constituído “antecipações nada insignificantes ao Treze de Maio”.

Paradoxal, como ele próprio se qualificaria, Gilberto Freyre foi um “conservador-revolucionário”. Isto é, revolucionário quanto ao método, antropológico-cultural, quanto à originalidade dos fatos e à força de interpretação dos mesmos, provocou a mudança de curso das idéias pseudo-científicas sobre a inferioridade da raça negra, ao destacar de modo incisivo as raízes africanas e a importância destas na cultura brasileira. Mas foi conservador também. Seus argumentos para ressaltar a benignidade da escravidão revelam ter sido influenciado pelo pensamento conservador do século XIX, cuja substância seria “a apologia do passado e a conseqüente defesa do status quo”.

Algumas frases soam familiares quando se lê em Gilberto Freyre que a escravidão brasileira moderada e que os cativos seriam talvez mais felizes no Brasil patriarcal do que, quando na África negra, oprimidos por sobas e, sobretudo, maltratado nas próprias tribos: vítimas, por vezes, de tirânicas opressões tribais sob o aspecto de ritos compressores.

As idéias de Freyre reforçaram os mitos da brandura do senhor, da submissão do escravo. Ele generalizou para o Brasil e para toda a massa escrava uma interpretação calcada apenas no nordeste canavieiro e no escravo doméstico. Essa extrapolação é totalmente infundada no escravismo colonial, em que a maioria esmagadora dos escravos se destinou ao trabalho produtivo. Um escravismo patriarcal brasileiro, familialista e benevolente para com os escravos, não lidam, afinal de contas, senão com uns poucos fiapos pinçados do tecido sócio-histórico.

Ao generalizar sobre o espaço e tempo, Gilberto Freyre deixa de lado a dinâmica do processo histórico, ignora a historicidade da escravidão: “ a constante empatia com que trabalhou, não foi complementada por uma compreensão dos andamentos, desenvolvimentos, descontinuidades e antagonismos que produziram a s transformações e o eclipse da escravatura.

A miscigenação existiu em todos os sistemas escravistas e nem por isso alterou a situação do escravo ou desestabilizou a instituição. Portanto, está longe de desempenhar o papel que lhe foi atribuído por Freyre, cujas afirmações tiveram uma intencionalidade ideológica: a de justificar o passado escravista.