domingo, 1 de agosto de 2010
LUGARES DE MEMÓRIA EM CAMPINA GRANDE-PB
Pensar a História de Campina Grande-PB especificamente no início do século XX nos leva a refletir sobre alguns marcos históricos. Consideramos que ao longo dos anos os autores de nossa história campinense foram deixando pelas ruas, cabarés, bares e cafés as marcas de um passado significativo para as gerações posteriores.
Inicialmente enfatizamos a chegada do trem em Campina grande no dia 02 de outubro de 1907 a exato 101anos depois ainda fascina e encanta, ao mesmo tempo em que povoa o imaginário das pessoas. É a impressão que se tem ao observar o espaço da estação velha com seus objetos e iconografias que denunciam de que história, de que lugar se quer falar.
Percebemos que é possível identificar este como lugar de memória. No texto que a guia do museu transcorre fala dos principais personagens da cidade de Campina Grande. Dos responsáveis pelo período de maior desenvolvimento e progresso do município. “A era do ouro branco”. Aqui destacam-se: O mocinho o herói, “Cristiano Lauritzen” e o seu cavalo de ferro o “Trem”.
ESTAÇÃO VELHA – ATUAL MUSEU DO ALGODÃO
E A HISTÓRIA CONTINUA...
Cristiano Lauritzen comerciante de jóias, gringo, Dinamarquês, forasteiro chegou em Campina em 1880 e casou-se com a filha de Alexandrino Cavalcanti, pessoa muito importante da cidade. Coronel que pertencia a burguesia rural ( liberais, fazendeiros, descendentes das famílias antigas). Dessa maneira fixou-se em Campina e apesar de ser um Forasteiro que para Epaminondas Câmara pertencia á burguesia Urbana conseguiu ser prefeito de Campina Grande. Foi prefeito vitalício por quase vinte anos. Deixou o cargo apenas após a morte. Nessa época as eleições não eram diretas. O prefeito era escolhido por indicação.
O casamento com a filha de uma pessoa da elite burguesa rural rendeu-lhe mais posse do que ouros e diamantes.
Em 1904 viajou a capital do Brasil que na época era a cidade do Rio de Janeiro para reivindicar a construção da linha de ferro.
“ Sr. Ministro, v. exc. Não se envergonha, como paulista e como brasileiro, que um estrangeiro, conquanto brasileiro naturalizado, venha de tão longe, do fundo de um logarejo perdido nos sertões do Brasil advogar perante o governo do país a realização dum beneficio de utilidade geral, com sacrifício das suas economias de pequeno comerciante, e ainda tenha o desprazer de arrostar com o desdém manifesto de um órgão do poder público?”
Três anos depois em 1907 o trem chegava pela primeira vez em Campina Grande. O povo aguardava esse tão almejado dia, um sonho que se tornou realidade. Foi um marco muito importante o dia 02 de outubro de 1907 o dia da chegada do trem. Esse marco é indicado como sendo o responsável pelo apogeu econômico de Campina Grande que já era favorecida por sua localização geográfica que fica no entreposto entre o litoral e o sertão.
Antes da chegada do trem o algodão produzido na região era transportado pelos Tropeiros. Os tão conhecidos Tropeiros da Borborema. Que levavam suas tropas de burros até a cidade de Itabaiana para de lá pegar o trem e transportar o algodão para o porto de Cabedelo. Com a chegada do trem não havia mais a necessidade de deslocamento. Essa facilidade atraiu para cidade agricultores de varias localidades para comercializar o algodão. Os comerciantes locais compravam o algodão descaroçavam, prensavam e guardavam o produto em armazém para aguardar o trem que transportava o algodão para o porto de cabedelo e de lá seguia para Europa e Estados unidos.
Esse fato coloca a chegada do trem como o que lançou Campina para o progresso e desenvolvimento á nível internacional. A partir daí muita coisa vai acontecer. Pois a velocidade do trem trouxe o intercambio rápido. Falam-se que muitos ficaram ricos com a industria do algodão.
A chegada do trem foi um momento festivo para o povo. Parecia até feriado nacional e a cidade parava para assistir esse espetáculo que a modernidade permitia.
“A alegria pública assumiu um caráter como nunca se notara em Campina. O comércio cerrou as suas portas. Estalavam foguetes no ar. A Banda Marcial União atroou as ruas com os seus dobrados retumbantes. A cidade encheu-se do povo. Um dos oradores entusiastas, em frente ao palacete de Cristiano Lauritzen, atulhado de gente, perorava: “A estrada de ferro é uma realidade em Campina, senhores”.
O trem tanto levava mercadoria como também trazia. Gerou riqueza e nesse inicio de século XX o algodão agora é o “ouro branco” que impulsionou o desenvolvimento da industria especializada no produto a exemplo da SAMBRA que não só beneficiava o algodão como aproveitava a semente na fabricação de óleo. Até 1970 a SAMBRA dominou o podium de maior industria algodoeira da América Latina. Essa série de fatores contribuíram para colocar Campina como uma das praças de Algodão mais importante do “mundo”. Chegando a competir com Liverpol na Inglaterra. Campina ganha agora o apelido de a Liverpol brasileira. É a “Era do ouro branco”.
Nessa época, Além de investimentos econômicos a cidade atrai também pessoas em busca de investir em relacionamentos conjugais. Que não deixa de ser econômicos também. A exemplo do próprio Cristiano Lauritzen que adotou a Paraíba como mãe e investiu aqui principalmente seus espermatozóides. Unidos trem e algodão atraíram para Campina Grande “Grandes” investimentos que implicavam muito além do interesse no “ouro branco”. O matrimonio com filhos e filhas de coronéis, da burguesia rural tornou-se cobiça de muitos forasteiros. Assim era também uma moeda de ouro.
Surgia uma nova elite, a burguesia urbana que comercializava e transitava nas ruas da cidade. Criou-se então a necessidade de uma vida boemia e noturna para atender essa clientela, de novos ricos. Nasce uma outra industria. Aquela que o produto é o corpo e o lucro é o prazer. O comércio dos desejos tinha o nome de Cassino Eldorado. Um local bem freqüentado. Por homens de dinheiro e estrangeiros. O trem trazia também produtos de desejos como mulheres, comcubinas, dançarinas e vedetes de luxo do Rio de Janeiro que vinham abrilhantar as noites no Cassino ElDorado. Relatos confirmam que até Nelson Gonçalves chegou de trem em Campina para se apresentar no Eldorado. O cassino Eldorado esteve no auge até quando durou o ciclo do algodão e quando o trem ainda era sinônimo de euforia e modernidade. Entrando em declínio logo em seguida.
Nas primeiras décadas do século XX os metais preciosos oscilavam em Campina Grande entre; “O ouro branco”, “A estrada de ferro” e o “Cassino Eldorado”.
Então para os memorialistas de plantão é impossível falar da história de Campina Grande sem citar essa fase de glamour e encantamento. Tem-se a impressão que foi gerado nesse período o embrião que lança o marketing “Campina Grande, Grande cidade”. Uma das maiores praças de algodão do “mundo”. Cidade do interior desenvolvida e reconhecida internacionalmente. O trem que trouxe a “modernidade” e o algodão esse “Ouro branco” que beneficiado pela construção da linha de ferro trouxe riqueza e muita gente importante para cidade.
O prédio da Estação Velha construído pela empresa inglesa G.W.B.R conserva sua estrutura original. A última vez que o trem parou na Estação Velha foi em fevereiro de 1961 quando foi inaugurada a Estação Nova que funcionou como trem de passageiros até 1978. A estação velha ficou totalmente desativada por muitos anos. Em 2001 passou a abrigar o Museu do Algodão.
O discurso reproduzido ao longo do tempo enfatiza bem a importância do trem e de como foi essencial para o desenvolvimento de Campina e da industria. Porém Campina não se tornou um pólo algodoeiro só e simplesmente depois da chegada do trem. O algodão já era um comercio importante bem antes da chegada do trem. Apenas a linha de ferro veio a facilitar o transporte.
No entanto a placa em homenagem ao centenário da chegada do trem, atualiza cem anos depois todos os sentimentos contidos nos discursos. É a visão de que Lauritzen esta intrísicamente ligado a história do trem. Coloca-se o trem como um sonho do Cristiano Lauritzen e conseqüentemente como um sonho geral da população de Campina Grande e que ninguém estava contra a construção da linha de ferro que todos apoiavam. Segundo as fontes, todos apoiando seria basicamente as elites econômicas e políticos. A população pobre aparece apenas como espectador que assistiu bestializado esse filme.
PRAÇA VERGNIAUD WANDERLEY
O açude “Velho” considerado como instrumento proliferador das doenças na cidade de acordo com Hotênsio de Souza Ribeiro. Entretanto, o monumento em homenagem a Vegrniaud Wanderley foi colocado de maneira estratégica contra uma determinada memória que ainda tem na imagem de Vergniaud Wanderley como sendo um grande destruidor que cometeu na cidade várias atrocidades á uma determinada memória a uma memória de elite. Uma memória das famílias tradicionais da cidade.
Contudo, a imagem do prefeito do “bota abaixo” fica escondida aos olhos da população Campinense passando despercebida por quase todos. A estátua Foi estendida ironicamente perante uma igreja como um castigo, ( Sendo ele ateu convicto e declarado) e colocada de costas para o charco de imundices do maior banheiro publico de Campina Grande que é o açude velho.
PRAÇA ANTONIO PESSOA
É notA estátua em homenagem ao Presidente João Pessoa foi transferida da área central da cidade durante a reforma do prefeito Vergniaud Wanderley causando o descontentamento de toda a população. Essa transferência provocou a ira pessoas como Cristino Pimentel que criticou a atitude do prefeito considerando o deslocamento do monumento como sendo um afronto a memória Campinense. Pois a imagem retirada de um lugar visível aos olhares de todos e foi levada para uma localidade muito distante. Na época a praça Antonio pessoa era pouco habitada e passava longe do centro.
Cristino Pimentel acusou Vergniaud Wanderley de tentar destruir a boa imagem política de João Pessoa como bom e grande representante de atividades publicas. Sua figura foi de supremo significado para a Paraíba. Principalmente após a sua morte.
RUA DA POROROCA
A rua da Pororoca ficou conhecida pela noites de fanfarrs e alegria que os boêmios em Campina Grande se deleitavam. Rua também onde residiu Maria Garrafada, “Prostituta de Campina Grande” local e ponto de encontros amorosos daqueles que se serviam dos encantos e habilidade da professora do sexo.
“Maria Garrafada virou tradição. Tem relevantes serviços prestados a várias gerações campinenses, incorporando-se, com muita justiça, ao patrimônio histórico-sentimental da cidade. Virou símbolo. É a prostituta de Campina Grande”.
Na rua da pororoca ou beco da pororoca, foi possível identificar uma das raras placas que trás o nome atual e indica o nome antigo da rua.
PRAÇA DA BANDEIRA
A inauguração do prédio dos correios foi o pretexto para a realização do comício e das festas que contavam com a presença de Argemiro de Figueiredo e Renato Pereira Lira. O evento provocou rivalidades entre os partidos. Uma parte da população apoiava José Américo e repudiava principalmente Pereira Lira. A outra parcela era fanática por Argemiro de Figueiredo. Por motivo de protesto ocorreram graves conflitos na praça da bandeira que culminou na morte de três pessoas e mais de 15 feridos. O fatídico 09 de julho ocorreu em 1950.
Ainda se destaca o COLÉGIO “ALFREDO DANTAS” , também é um local de memória em Campina Grande-PB, haja vista que, foi o prédio onde funcionou no passado o instituto de doenças venéreas coordenado pelo Dr. Arlindo Correia. O instituto aparece como ponto de referencia pedagógica nas primeiras décadas do século XX.
PRAÇA JOÃO RIQUE
Praça João Rique com monumento em homenagem a Nilton Rique. Local onde justamente ficava instalada a estatua de João Pessoa antes de ser deslocada na reforma urbana de Vergniaud Wanderley para os confins da praça Antonio Pessoa. Nessas extremidades funcionava também o comércio do algodão. Conhecido como praça do algodão e pavilhão Epitácio Pessoa.
RUA VENÂNCIO NEIVA MACIEL PINHEIRO
É importante para o historiador saber olhar para além do meramente mais visível. É preciso olhar para cima dos prédios que por vezes passam despercebidos em meio a poluição visual e a transeuntes apressados pela vida moderna desinteressados em perceber o visível e o sensível.
As ruas Venâncio Neiva e Maciel Pinheiro guardam a maior estrutura de Arte Décor do Nordeste e para descobrir essa arte impressa na paisagem da arquitetura faz-se necessário olhar para cima. Ao olhar além do visível, além do que estar a frente se descobre uma outra cidade que aparece cega ao menos desatentos.
A Arte Décor é caracterizada por figuras geométricas, quadrados e retângulos. Essa estrutura arquitetônica foi bastante utilizada na reforma urbana. Na época ainda nõa existia sobrados em Campina, E esse tipo de construção recuava as edificações beneficiando o alargamento das ruas.
Rua onde fica localizado o sobrado do coronel Alexandrino Cavalcanti herdado por Cristiano Lauritzen com a chegada a família Cavalcanti. Em seguida passa a ser do filho Ernani Lauritzen ficando em posse da família até a década de 40 do século XX. O sobrado que ainda existe foi encoberto pela construção da livraria pedrosa que hoje não existe mais atualmente o espaço é ocupado por uma loja de artigos femininos.
O objetivo seria mesmo por questões políticas. Encobrir o passado para não ter que relembrar os antigos senhores da política Campinense. Então se construiu um prédio para tapar a visão. Foi nesse casarão dos Lauritzen que se hospedou Argemiro de Figueiredo e os demais políticos da UDN no famoso episodio do massacre da praça da Bandeira em 1950.
Foi também no beco 31 conhecido na época como pavilhão ou complexo Epitácio Pessoa que funcionou o Jornal Correio de Campi de posse do Cristiano Lauritzen onde Cristino Pimentel começou a trabalhar na área jornalística.
A partir de 1928 com o jornal Correio já destituído no prédio passa a funcionar a tão famosa A Fruteira local de trabalho de Cristino Pimentel. Local para onde afluíam os letrados que iam debater questões da cidade onde acabavam aglutinados. O estabelecimento não vendia apenas fruta, era bem freqüentado por intelectuais que trocavam idéias. A fruteira foi o escritório de Cristino Pimentel. A faculdade onde fez seu Bacharelado e concluiu seu doutorado sem nunca ter freqüentado uma escola.
BUNINAS
Foi construído nas Buninas o primeiro cemitério da cidade em 1856, devido a uma epidemia de cólera. Porém já no final da década de 90 do século dezenove o cemitério se encontrava lotado e não comportava mais nenhum morto.
No final do século XIX foi construído o novo cemitério que ficava um pouco mais afastado do centro. O cemitério do “Monte Santo”. Na ocasião da transferência dos restos mortais o processo foi feito de maneira indistinta sem cuidados e sem respeitar as identidades dos mortos.
Esse fato levou Elpidio de Almeida a comentar no livro História de Campina Grande o seguinte: “Enquanto lá no Oriente a tumba de Raquel esposa de Jacó era muito bem identificada apesar de ter morrido á anos e anos atrás. As pessoas de Campina não sabiam localizar onde estavam enterrado seus antepassados. Sendo assim um povo desprovido de almas e memórias.
RUA MACIEL PINHEIRO LOCAL ONDE FELIX ARAÚJO ENCONTROU O SEU DESTINO
ANTIGA CÂMARA MUNICIPAL
Em 1953 Felix Araújo desceu do prédio onde localizava-se a câmara municipal e foi abordado e alvejado por João Madeira. Foi socorrido para o hospital Pedro I não resistiu e faleceu em seguida.
João Madeira buscou refugio na casa de Plínio Lemos e foi preso. Plínio lemos foi acusado de autor intelectual do crime.
Ainda na Maciel Pinheiro, no número 142 funcionava o jornal A Batalha do jornalista Arlindo Correia.
RUA FLORIANO PEIXOTO ANTIGA RUA DA MATRIZ
De acordo com algumas fontes o povoado de Campina Grande teria seu marco nesse local. Nas proximidades surgiu a primeira rua que foi a Vila Nova da Rainha. A rua Afonso Campos era chamada na época de rua do meio porque ficava entre as duas primeiras ruas da cidade de Campina.
Até a década de 30 do século XX funcionava ao lado da Igreja Catedral o Paço Municipal. O prédio foi destruído durante a reforma urbana de Vergniaud Wanderley. O motivo maior do bota abaixo se devia ao fato de que naquelas instalações funcionavam as atividades do Estado e não ficava bem o prédio ao lado da Igreja pois ostentaria a supremacia do poder Religioso sobre o poder estatal.
Na leitura de Severino Cabral a demolição representou um aviso uma maneira de amedrontar o poder religioso. Passando a mensagem de que se derrubou um prédio tão perto da Igreja provavelmente ela poderia ser a próxima vitima.
Em frente a Igreja Catedral se avista o antigo Telegrafo Nacional que posteriormente ocupa a cadeia municipal onde ficou preso Frei Caneca. Hoje atual museu Histórico de Campina Grande. Ao lado do museu fica o famoso “Beco da merda” um dos únicos locais que escapou da reforma de Vergniaud Wanderley para desespero da elite Campinense. Por ironia do destino o prefeito do bota abaixo demoliu palacetes e monumentos da memória campinense deixando intacto o beco da imundice onde as pessoas na calada da noite e até mesmo do dia iam defecar e aliviar suas necessidades fisiológicas. Um local mal cheiroso que servia de latrina para a população.
Antigo El Dourado
RUÍNAS DO CASSINO ELDORADO
Rua Manoel Pereira de Araújo, a conhecida “Rua Boa” dos tempos idos. Recebeu esse nome justamente pela honra de ter em seu espaço o Cassino Eldorado e no segmento da rua vários cabarés. Foi uma rua que tinha um comércio diferente, o comércio de “Mulheres” que vendiam o corpo. Atualmente funciona na rua um comércio de galinhas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A História de Campina Grande-PB não está registrada apenas na literatura mas também nas vivências de suas ruas históricas; esconde um passado de lutas e vitórias políticas. Um estrado cultural que nomeia vultos importantissimos desta cidade.
REFERENCIAS
ARANHA , Gervasio B. “Seduções do moderno na Parahyba do Norte: Trem de ferro, luz elétrica e outras conquistas materiais e simbólicas.
DINÓA, Ronaldo . “zefa tributino” et “Maria Garrafada In: Memórias de Campina Grande.
PIMENTEL Cristino. Mais um mergulho na história Campinense.
SYLVESTRE, Josué. “O fatídico 9 de julho” et “O desassombro de um idealista” et”Os bilhetes do colega Félix e os registros da poesia popular sobre sua morte. In; Lutas de Vida e de morte: Fatos e personagens da história de Campina Grande (1945-1953).
sexta-feira, 4 de junho de 2010
– UM OLHAR SOBRE A MISCIGENAÇÃO E
A perspectiva de Gilberto Freyre1 frente a temática da sexualidade em processo de miscigenação, em um momento histórico no Brasil nos leva a refletir as relações entre os europeus e uma negra, um europeu e uma índia, constituía-se assim uma nova população.As misturas estabelecidas de um mulato com uma branca produzindo outras cores que se aproximarão do branco, ou do negro, na proporção da progressão parece declarada a miscigenação no Brasil. Dessa forma, esta classe de habitantes, cuja constituição é muito robusta, a que executava todas as artes mecânicas e todas as ocupações da sociedade que requerem atividades e que em geral as pessoas das classes superiores jamais iria desempenhá-la seja por vaidade ou talvez por outra causa.
Sendo assim, os negros são vistos nesse momento como uma raça ou sub-raça salientando ódios que separavam essas classes sociais ou subclasses, uma das outras. Na realidade, a população se divide em duas partes: pessoas livres e pessoas escravas que decerto não apresentavam afinidades.
Lamentavelmente não ocorreu no Brasil um fenômeno que evidenciasse uma homogeneidade e encontrasse condições de uma perfeita igualdade. Entretanto, estabeleceu-se relações opostas e inimigas entre negros livres, mulatos livres, brancos natos e brancos adotivos, sem contar os índios por eles considerados uma raça à parte. Assim, eram todos rivais um dos outros na proporção de suas respectivas classes. Os mulatos não aceitavam quando livres a autoridade de um branco e defendia direitos iguais, uma vez nascidos no mesmo solo.
Dessa negação que nunca foi sistemática no Brasil, dos direitos a pardos ou mulatos livres resultaram aqui agitações de sentido social, disfarçado às vezes em político. Os aspectos mais ostensivos do que alguns consideram patologia da miscigenação, dando diagnóstico caráter nitidamente biológico, quando essa tal patologia talvez tenha sido o resultado principalmente de circunstâncias sociais desfavoráveis.
____________________________
1- Cf. Freyre, Gilberto Sobrados e Mucambos:a continuação de Casa Grande e Senzala Rio de Janeiro, Record, 2000. 11ª ed.
A questão da patologia da miscigenação se apresenta entre os negros (nesse grupo sofredor) os seus traços mais grosseiros, talvez na sua expressão mais dramática. Eles sentiram o problema ou ainda estão sofrendo mesmo que seja em menor intensidade o problema social dos renegados ao lado do biológico, de meio-sangue. Em alguns casos em um grupo dos renegados se perceba a fragilidade física que talvez contribua nesse momento para criar a idéia de uma população fraca. E assim observa-se nas populações mestiças em geral, ao que parece, por motivos puramente sociais baseado nos aspectos exteriores.
A tendência de certas raças e de certos estados é explicada sem conhecimento associando de modo absoluto a grupos étnicos, outros ao clima. As influências sociais parecem favorecer o desenvolvimento da tuberculose em alguns negros, bem como doenças mentais entre os mestiços. Imagina-se que o negro norte-americano é menos predisposto a doenças da coluna, de obesidade, surdez, doenças nos olhos, das fossas nasais e da garganta, a uma série de males. Além disso, é menos suscetível à febre tifóide, à malária, à bexiga e ao câncer.
O mulato também apresenta várias dessas predisposições dos negros, mas se excede extraordinariamente ao branco nas estatísticas de tuberculose e de doenças venéreas. A tuberculose talvez tenha sido entre os negros, mulatos e mestiços a causa principal de sua fragilidade física. Essa falta de resistência a doenças de civilizados herdada de uma raça primitiva em contato com os portadores da doença vindos da Europa.
Para Freyre2, é fundamental ter em vista a questão do ambiente social incluída a situação econômica do mulato e do negro transplantado para as Américas. O caso do raquitismo, muito comum entre os negros do meio urbano norte americano comprovaram que durante o inverno, o pouco sol, o ar poluído, a alimentação deficiente, tudo agia contra o indivíduo favorecendo o possivelmente as doenças, a freqüência da deformação de corpo entre os meninos de cor. A pobreza foi o grande inimigo das crianças tanto negras como de qualquer outra cor na América, conseqüentemente as doenças. A tuberculose é uma doença que se manifesta com maior evidência no meio urbano.
________________________
2- Cf. Freyre, Gilberto Sobrados e Mocambos: a continuação de Casa Grande e Senzala: Rio de Janeiro, Record, 2000. 11ª ed. p.p.632-662.
As doenças de cortiço devido as péssimas condições de moradia, do chão úmido, da presença da água podre. O problema é de higiene, é ecológico, da má desigualdade social. Essas populações miseráveis em luta pela sobrevivência muitas vezes acabam amontoados nas favelas sem nenhuma condição de sobrevivência, ou seja, condições sub-humanas de existência, em ambientes sem infra-estrutura. Os mucambos, os cortiços, as favelas, são habitados pelos mestiços, casebres abafados e úmidos sem ventilação, tanto no Brasil como em outras partes do mundo.(FREYRE, 2000).
Sendo a tuberculose como é, doença que se aproveita das condições precárias de vida, inclusive, do déficit nutritivo, assim, a população mulata e negra no Brasil, mal abrigada e mal alimentada fossem as primeiras vítimas dessa enfermidade. Além disso, biologicamente os negros não têm a mesma defesa imunológica que os brancos vem acumulando ao longo dos séculos.
Conforme Freyre,3 (2000), o negro e o mulato nestes quatro séculos vem acumulando vigor físico apesar de ter enfrentado as adversidades do ambiente quando trazidos da África, hoje, apresenta-se cheios de oportunidades e possibilidades como de afirmações sócio-econômicas e de capacidade intelectual.
É preciso destacar que essas afirmações e possibilidades reúnem atualmente no Brasil, talvez mais o mulato do que o negro puro. As influências de ambiente social invocadas no caso da tuberculose e de sua generalização entre as populações mestiças devem ser tomadas em conta na interpretação das doenças mentais entre pretos e mulatos. As psicoses tóxicas e infecciosas domina entre os negros e o alcoolismo determinou nessa época um número expressivo maior do que os brancos e mestiços doentes de alcoolismo. Incluem-se nesse quadro as mulheres no Rio de Janeiro, a habitual alcoolização das mulheres negras ou a pouca resistência ao álcool. O fenômeno começa a divergir da raça negra, visto que a mulher mulata já revela atenuado o fenômeno em face do tóxico social. Nessa linha descendente de alcoolismo da mulher preta, que é socialmente a mais degradada, a prostituta de beco, a fêmea do soldado de polícia ou de marinheiro bêbado para a branca, que é a mulher socialmente fina, talvez reflita a influência do fator social, de modo mais poderoso que qualquer outra. São também as mulheres de cor do Rio de Janeiro que mais adquirem as doenças venéreas com a sífilis cerebral.
______________________
3- Freyre, Gilberto Sobrados e Mucambos: Rio de Janeiro, Record, 2000 11ª ed. p.p.632-662
Em Freyre,4 (2000), socialmente o negro sofreu e continua sofrendo as mazelas sociais dessa sociedade branca, não apenas sofreu o descaso, as humilhações e o desprezo como também adquiriu as fragilidades físicas devido as péssimas condições de vida que lhes foram impostas. E assim, o negro permanece sendo duramente satirizado a qual exprime claramente o desprezo social contra a raça negra e de mulatos pelos brancos das classes mais pobres.
É comum ouvir a seguinte expressão:
“ Negro quando não suja na entrada suja na saída”.
“Negro em pé é um toco, deitado é um porco”.
“Negro só nasceu para espoleta dos brancos”.
E também nas cantorias das feiras:
“Negro velho quando morre
tem cantiga de xexéu,
Permita Nossa Senhora
Que negro na vá ao céu”.
Percebe-se que o negro não é ridicularizado apenas pelas suas diferenças físicas ou sua condição social, mas, sobretudo pelo racismo cultural, mesmo o branco afirmando não ser racista, ele é racista interiormente devido a uma gama cultura que fortalece esse fenômeno na sociedade brasileira. Existe sim, um disfarce de aceitação das diferenças culturais. O primeiro ponto que se constitui um choque cultural está relacionado as religiões africanas. Nas mínimas coisas o negro e desprezado, a educação brasileira através do seu folclore reforça pelos usos e costumes do negro.
4- Freyre, Gilberto Sobrados e Mocambos. Rio de Janeiro, Record: 2000 11ª ed. pp.632-662
A simpatia do mulato foi um dos pré-requisitos que conquistou a sociedade brasileira, foi o mulato formado em competição com o advogado branco, com o médico, com o político que procurou vencer o competidor, agradando a sua clientela mais do que os outros. Seu riso foi não só um dos elementos como um dos instrumentos mais poderosos de ascensão profissional, política, econômica. Um momento onde o negro, o mulato marca a sua transição do estado de servil para o de mando ou domínio da situação, de igualdade como o dominador branco.
No uso brasileiro de diminutivo, o negro procurou através dessas palavras encurtar a distância pelos meios mais doces a distância social entre ele e o grupo dominante. Assim, foi ele que deu mais força e vigor e enriqueceu de tendências e significados sociais particularmente brasileiros. Esse instrumento foi utilizado para seus interesses, e romper suas dificuldades de um indivíduo em transição de uma classe para outra. E o diminutivo adoçando as palavras representou a maneira de ser ainda mais respeitoso, de falar dos assuntos usando um tom íntimo junto aos senhores outrora mais distantes e dos quais só os brancos tocavam.Essa foi uma característica marcante do mulato em processo de ascensão para branco. E vencer entre ele e o grupo dominante a distância social entre o bacharel mulato e o branco.
No que se refere a fecundação no Brasil, uma coisa é certa para Gilberto Freyre5, as regiões ou áreas de miscigenação mais intensa se apresentam as mais fecundas. No Maranhão foi considerada uma sub-região de mestiçamento intenso com predominância do negro sobre o índio entre os elementos de cor. Nesse sentido, a relação entre a cultura erótica e a ciência parecem ter sido sempre tensas e complicadas, não apenas no Brasil, aliás, neste país talvez tenha sido até mais fácil se comparado com os países de tradição puritana. O erótico permeia o cotidiano dos brasileiros, de norte a sul, das piadas aos jogos de sedução, das roupas aos comportamentos.
Atualmente, vive-se uma cultura nessa sociedade extremamente sexualizada em todos os sentidos, inclusive da violência enquanto que a imagem da sexualidade-tropical-do sul do Equador, não deixa de ser muito estimulada pelas indústrias do turismo, na exportação das mulatas sensuais, do samba, do carnaval e de tudo aquilo que é conhecido no imaginário do Brasil Tropical.
_____________________
5- Freyre, Gilberto Sobrados e Mocambos Rio de Janeiro, Record, 2000. 11 ed. pp. 632-662.
Ronaldo Vainfas6, questiona a imagem desregrada da Colônia produzida pelos observadores dos primeiros séculos da colonização, encontrando muitas regras, normas e formas de culpabilização. A fornicação tropical não faltaram as normas rígidas por mais que intoxicada tenha sido a colônia como quer Gilberto Freyre7, os valores da família, mescla da cultura popular e do discurso oficial se fizeram presentes. Entretanto, não se trata precisamente de decidir sobre a moralidade ou imoralidade historicamente constitutiva do país, mas de desconstruir as narrativas históricas produzidas e reproduzidas incessantemente, destacando a importância que o discurso da sexualidade assume na leitura que os brasileiros fazem de suas origens. Como observou Richard Parker, a noção de sexualidade no Brasil, não está apenas presente na percepção que cada indivíduo faz de sua existência, mas na auto-interpretação de toda a sociedade. E o discurso médico sobre o corpo e a sexualidade é apropriado como verdade absoluta.
Gilberto Freyre considera que a vida sexual no Brasil é positiva, responsável pela democracia racial, apesar da propagação das doenças venéreas. O povo brasileiro se origina nesta perspectiva, da miscigenação das três raças que no Brasil especialmente não tiveram maiores problemas para se fundirem, pois a atração sexual foi mais forte do que as exigências legais e racionais de união entre os diferentes. Daí uma cultura particular, marcada pela cordialidade, pela leveza, pelo instinto, pelo corporal e pela tolerância. As relações primárias em Freyre se caracterizariam pela intensa atividade sexual.
Além disso, a sexualidade adquire ainda uma dimensão muito poderosa na interpretação de Freyre, na medida em que é fator fundamental na determinação das relações que se estabeleceram na esfera pública. Esta molda por modelos emprestados do mundo privado, onde as relações primárias são, sobretudo marcadas pelo sado-masoquismo. Assim, o modelo de relação sexual sado-masoquista estabelecido entre senhor e escravas ou escravo transfere-se para a esfera pública, caracterizando as relações sociais.
A miscigenação decorre, pois de uma quantidade excepcional do português em se cruzar com outras raças. Freyre explica que isso se deve em grande parte à forma de emigração dos portugueses, que vieram sós. E assim, a falta de mulheres brancas sempre foi um problema de toda a colonização européia em territórios ultramarinos.
________________________
6- Cf. Vainfas, Ronaldo – Trópicos dos Pecados. Moral Sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro, Campus, 1989 pp. 130-150.
7- Freyre, Gilberto Sobrados e Mocambos Rio de Janeiro, Record, 2000. 11 ed. pp. 632-662
É interessante observar que a concepção de História fundamentada no materialismo histórico e dialético, utilizada para construir sua interpretação da realidade nacional, o autor incorpora as análises e os preconceitos difundidos pela documentação em que se apóia, seja a que elaboram viajantes, colonizadores. Além disso, a própria estruturação do livro acaba por colocar a sexualidade, considerada em uma acepção mais abrangente no fundamento mesmo da constituição da vida em sociedade. A sexualidade é referida como centro de explicação da organização social e como lugar privilegiado da leitura que se produz a respeito do passado e da cultura brasileira. Nesse sentido que a questão do lugar central da sexualidade na construção da identidade nacional e na interpretação da história brasileira pode ser enunciada pela releitura historiográfica.
A sexualidade ocupa na construção das interpretações sobre a realidade brasileira e da idéia de identidade nacional principalmente no que se refere a questão sexual, produziu-se ao longo da história traços que se constituíram desde os primórdios da colonização, nas relações primárias quando chegaram os conquistadores iniciando um processo de miscigenação racial.
Percebe-se que a cultura brasileira desde os primórdios da colonização é marcada por uma identidade nacional que reforça a estigmatização do outro percebido como desvio, perverteram o sexo e todas as práticas sexuais foram postas sob o signo do discurso intelectual, explicada e analisadas, classificadas e condenadas. Em Freyre8, a aproximação entre as diferentes raças decorre de um forte impulso sexual. Assim, foram sexualidades exaltadas dos dois povos que primeiro se encontraram na América. Contrário da idéia de lubricidade maior comunicou-se ao brasileiro o africano, parece que foi precisamente este, dos três elementos que se juntaram para formar o Brasil, o mais fracamente sexual e o mais libidinoso, o português.
_______________________
8- Cf. Gilberto Freyre Casa Grande & Senzala Rio de Janeiro. Schmidt Editor, 1936 2 ed. p.60.
O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, se não atolava o pé na carne. Muitos clérigos, dos outros, deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeus por um pente ou um caco de espelho. (FREYRE, 1936 p. 60).
Sergio Buarque, não fundamenta a construção de caráter brasileiro no campo da sexualidade, a exemplo de Paulo Prado9 e Gilberto Freyre, enfatiza como tração marcante da brasilidade o predomínio do emocional e do instintivo sobre o racional. A mestiçagem brasileira é vista antes de tudo como uma resultante do problema sexual da raça dominante, e por centro o colono branco. Neste cenário de três raças, uma dominando e duas sendo dominadas estando em contato é o branco que dirige a seleção sexual no sentido do embranquecimento. Entretanto, a temática deixa claro que em grande parte os brasileiros se percebem através da sexualidade, mas também através da cor, além disso, existe a dificuldade das ciências sociais trabalhar essa questão, reconhecendo a centralidade que esta assume no discurso científico. Mas recentemente, as pressões dos movimentos feministas, dos homossexuais e do negro forçam a incorporação de novos olhares. A invasão do feminino na cultura: o instintivo, o sagrado, o sexual, o corpo passam a ser objeto de discussão, aceitos como importantes dimensões constitutivas das práticas sociais e das formas de conhecimento.
Nesse sentido, a questão do lugar central da sexualidade na construção da identidade nacional e na interpretação da história brasileira pode ser enunciada forçando uma releitura da historiografia. A figura da prostituta a margem da sociedade confere a história uma pagina importante. O crescimento da população e a falta de condições financeiras para sobreviver a prostituição constituem-se uma das mais antigas profissões do mundo. No Brasil, a questão da miscigenação, a junção das três para formação do povo brasileiro tem alcançado uma diversidade de culturas que faz do país um celeiro de saberes. A contribuição do povo nativo, do negro e do branco trouxe para essa nação uma forma diferente de existência. E assim, os trópicos foram vistos como lugar da promiscuidade, do português aventureiro que veio para cá e possuía um pensamento obcecado com a sexualidade.
________________
9- Cf. Prado, Paulo Retrato do Brasil. Ensaio sobre a Tristeza Brasileira. São Paulo, 1929, IIIa. Edição, 5. milherio.
No Brasil a tristeza sucedeu a intensa vida sexual do colono, desviada para as perversões eróticas, e de um fundo acentuadamente atávico. A hiperestesia sexual que vimos no correr deste ensaio ser traço peculiar ao desenvolvimento étnico de nossa terra evitou a segregação do elemento africano, como se deu nos Estados Unidos, dominados pelos preconceitos das antipatias raciais. Aqui a luxúria e o desleixo social aproximaram e reuniram as raças. (PRADO, Paulo, 1929, p.121-188).
Enfim, os homens da ciência não paravam de falar da sexualidade desde o século XIX, principalmente para condená-la. Dissecaram o corpo da meretriz, do cafetão, do homossexual, perverteram o sexo. Assim, todas as práticas sexuais foram postas sob o signo do discurso científico. De fato, a ciência tentou explicar, classificar e condenar. Na realidade, talvez a própria sexualidade tenha se transformado a primeira importância desde os primórdios dos séculos, e assim cada vez mais existe uma conexão entre sexualidade e subjetividade. A aproximação entre as diferentes raças desenvolveu impulsos sexuais, onde o europeu exaltado não soube controlar-se. A vantagem da miscigenação no Brasil correspondeu a uma desvantagem diante da sifilização. Juntas o Brasil sofreu um processo de civilização deformada, da má nutrição, das questões econômicas fragilizada. O desregramento dos europeus participa da construção e formação de um novo país.
ign="justify">
sábado, 27 de fevereiro de 2010
O ENSINO EM HISTÓRIA
AS MÍDIAS COMO RECURSOS METODOLÓGICOS
Ao refletir acerca dos novos recursos pedagógicos e das atitudes teórico-metodológicas da docência em História, precisamos pensar no significado das iconografias e na compreensão para a educação. Além disso, as imagens apresentadas nas obras devem despertar a curiosidade e levar o aluno a problematizar os conceitos e os registros históricos e a pensar sobre a ação dos sujeitos históricos. O que nem sempre acontece nos livros didáticos. É importante utilizar as fontes iconográficas no ensino de história uma vez que estas ocupam lugar relevante e têm sido objeto de destaque em suas mais variadas expressões: fotos, gravuras, pinturas, cartazes, desenhos, charges, gráficos, caricaturas, plantas e mapas.
Assim, o livro didático, tornou-se parte da cultura escolar e atualmente está inserido num contexto de grandes transformações conceituais do que significa conhecer, educar e saber. Na sociedade da informação, na qual se multiplicaram os instrumentos pedagógicos de aprendizagem escolar e novas linguagens surgem como forma pedagógica de conhecimento, o livro didático ainda continua sendo um dos instrumentos pedagógicos básicos de acesso ao saber da grande maioria das escolas. Podemos afirmar que não é possível falar em escola sem falar no livro didático. Muitos estudiosos e educadores ainda vêem o livro didático com grande preconceito, argumentação que é um material que serve como “muleta para o professor”, e que o bom professor não necessita de livro, pois deve conhecer profundamente todo o conteúdo discursivo da matéria que leciona.
Entretanto, a pesquisa histórica é um meio para se inserir os vários recursos por considerar um meio pedagógico que lida com diversos tipos de fontes e suportes variados, além da importância de suas especificidades do trabalho com esses materiais. O domínio de técnicas e linguagens aplicáveis a documentos de diferentes tipos (escritos, iconográficos, orais, musicais, etc,) requer um exercício constante e recorrente de pesquisa, não havendo uma fórmula única para lidar com eles.
De fato, as representações cartográficas e a iconografia são recursos importantes que contribuem para o conhecimento histórico. Lidar com fontes e linguagens diferenciadas, principalmente visuais requer certas habilidades, que podem ser desenvolvidas pelo exercício constante do olhar. Esse olhar não é apenas sensorial, mas parte de uma operação intelectual complexa, que envolve observar, identificar e compreender o significado das imagens.
A pesquisa seja no âmbito científico ou referente ao saber escolar é um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriar-se de um olhar consciente para sua própria sociedade e para si mesmo.
Nesse sentido, o uso da iconografia no ensino de História seja ela uma fotografia ou a reprodução de uma obra de arte pintura, escultura, gravura, desenho ou caricatura, por exemplo, em suas diversas técnicas e suportes, são documentos históricos de igual valor ao da documentação manuscrita ou impressa.
Por outro lado, não se deve esquecer de que o recurso do filme é muito importante, no entanto, é preciso que o professor assista ao filme antecipadamente e analise a necessidade de um trabalho de contextualização do filme junto aos alunos. Isso é valido, inclusive, para os filmes indicados nos livros didáticos. Sabe-se que para a análise de um filme, em primeiro lugar, é conveniente considerar que o autor (diretor) fez um recorte da realidade, observou-se sob determinado ângulo e fez seleções adequadas. Essa atitude contribui para a análise do “lugar social” de quem produz uma obra.
Os materiais didáticos são expressões de representações e em cada um deles deve-se adotar um procedimento específico para analisá-los. A fotografia como linguagem documental representa uma dada realidade em um determinado momento. Além disso, vale ressaltar que o livro didático, não pode ser exposição fria e mecânica de conhecimentos adquiridos e transmitidos. Tendo por objetivo desvendar a experiência dos homens vivendo no tempo, em sociedade, e empreender a compreensão ativa da realidade social, a História quer ser um elemento de tomadas de consciência para as pessoas que a ela se chegam.
Por isso, sendo o conhecimento é provisório, o aluno terá condições de exercitar nos procedimentos próprios da História: que seja através da problematização das questões propostas, da delimitação do objeto de exame e do estado da questão, e da busca de informações. Assim, no âmbito dos procedimentos que lhe são próprios co-existe uma ampliação do conceito de fontes históricas, que podem ser trabalhadas pelos alunos como: documentos oficiais, textos de época e atuais, mapas, ilustrações, gravuras, imagens, poemas, letras de música, literatura, manifestos dentre outros.
Sendo assim, os recursos visuais iconográficos, gráficos, mapas, bem como outras representações visuais espalhadas também no livro didático e pelos espaços públicos e privados, constituem-se materiais valiosos de interpretação. Pode-se dizer que há um ponto que se deve considerar entre a documentação iconográfica como recurso pedagógico e a escrita ambas são fundamentalmente, representações da realidade, que, na maioria das vezes, não refletem diretamente o real, e assim devem ser encaradas. Em suma, são versões a respeito dos fatos e acontecimentos que servem de apoio ao processo de ensino–aprendizagem.
Em relação aos livros paradidáticos e didáticos, eles entram na sala de aula como objetos cuja intenção é apresentar um conhecimento já organizado e fechado. Por conseguinte, no que se refere às atitudes teórico-metodológicas da docência em História, ainda é possível dizer que para nós professores, a educação compreende dois pontos indissociáveis. De um lado, ela se faz pela transmissão do saber, que se constitui de conteúdos considerados socialmente relevantes, e chegam ao aluno “de fora para dentro”. De outro, é preciso extrai respostas dos alunos ativamente, instigá-lo a produzir o saber, propiciando situações das quais possam emergir sua própria interpretação dos conteúdos transmitidos. Enfim, tão importante quanto a transmissão de conhecimentos e experiências socialmente acumuladas são os estímulos promovidos em prol ao desenvolvimento das habilidades e competências que tornam o aluno apto a aprender e a conhecer.
Portanto, a proposta do ensino importa uma organização de conteúdos devidamente articulados e das estratégias determinadas para trabalhar os conteúdos satisfatoriamente, devendo deixar claro que os conhecimentos históricos existentes não se constituem algo pronto e acabado, mas que se compreendem um processo de mudanças e transformações e assim os conhecimentos são transmitidos e acompanhados pelos novos recursos pedagógicos existentes na educação e as diferentes atitudes teórico-metodológicas que os profissionais em História podem utilizar-se.
ENREDANDO NA CASA GRANDE: GILBERTO FREIRE
Casa Grande e Senzala – Gilberto Freyre
Ao publicar Casa-Grande e senzala em 1933, escreveria Gilberto Freyre: “Desde logo salientamos a doçura nas relações de senhores com escravos doméstico, talvez maior no Brasil do que em qualquer outra parte da América.” A frase expressa com clareza a visão que perpassa o livro e a obra em geral do sociólogo pernambucano sobre a escravidão brasileira: a amenidade dessa escravidão, sobretudo se comparada com a de outros países escravocratas. Essa visão daria margem à grande polêmica historiográfica sobre a caracterização do sistema escravista, até hoje não resolvida, pois condicionada às influências ideológicas e, conseqüentemente, ao enfoque teórico de cada autor. Justamente por isso, também são polêmicos os inúmeros aspectos abrangidos pelo tema e pela bibliografia, que é vasta, em função da importância assumida pela escravidão nos países onde foi implantada.
Mas o marco inaugural nas análises da cultura brasileira seria Casa Grande & Senzala, estampada em 1933. fecho de um período do pensamento brasileiro, e início de outro, é também, uma obra híbrida de tradição e renovação, em muitos pontos nostálgica de um Brasil que chegava ao fim, o de antes de 1930, visto por Gilberto Freyre de forma análoga.
Se do ponto de vista ideológico o autor ainda se filia a um país arcaico, desejando que o Brasil fosse um vasto engenho Japaranduba como o de seu primo, Pedro Paranhos. É inegável a inovação documental e temática trazida por sua primeira obra e mantida nas que se seguem. Freyre dignificou os anúncios de jornais, os diários e a correspondência familiar, os escritos de viajantes estrangeiros, os livros de receitas, as fotografias, as cantigas de roda e toda a tradição oral, multiplicando os suportes culturais a disposição do historiador.
Antes de toda a produção historiográfica contemporânea, centrada na questão das mentalidades e da cultura, mostrou-nos que os tempos da vida são objetos da história tanto quanto suas invariantes ou como o próprio ecúmero.
Freyre inovou também no método, onde, contudo s fragilidades e incongruências se fazem notar de forma mais evidente, como ressaltaram posteriormente. Assentou as bases de seu livro no critério da diferenciação entre raça e cultura: a primeira deixaria de ser categoria explicativa, papel atribuído a cultura. Se a exploração econômica foi violente e iníqua, a mestiçagem atuou como elemento atenuador, diminuindo as distâncias entre a casa senhorial e a senzala. Os males tradicionalmente imputados à mestiçagem, as doenças, a amoralidade, a apatia, a aversão ao trabalho passaram a ser atribuído ao sistema econômico. Ao contrário da monocultura, a mestiçagem mostrou-se benéfica no Brasil, e em casa Grande & Senzala viu-se pela primeira vez, abordada como fato social, como dado sociológico, em que a transmissão cultural, o momento da cultura, conta mais do que a transmissão genética.
A percepção da mestiçagem como um valor positivo permitiria a Freyre exaltar a superioridade dos portugueses como colonizadores: muito mais tolerantes plásticos e flexíveis que os demais povos, empreenderiam a colonização sob a égide da mobilidade, da miscibilidade e da aclimatabilidade. Teórico de um luso-tropicalismo e, em última instância, justificador do imperialismo português, Freyre ganharia grande prestígio em Portugal durante o regime ditatorial de Salazar.
A mestiçagem aliada a valorização da cultura, destaca a originalidade de práticas, crenças e costumes cotidianos tributários do entrecruzamento dos três grupos que constituíram o povo brasileiro:portugueses, africanos, indígenas. Sem utilizar a expressão ou problematizar o conceito, Freyre lançou, portanto, as bases da análise da mestiçagem cultural no Brasil, vista numa perspectiva predominantemente harmônica, posto que capaz de equilibrar os antagonismos entre culturas: a européia e a indígena; a européia e a africana; a africana e a indígena. Tal mestiçagem pôde ocorrer devido ao estabelecimento de certa reciprocidade cultural que, não raro, teve valor estratégico. Hábitos alimentares e culturais depois muito arraigados ao cotidiano luso-brasileiro foram gerados nesse ambiente propício à reciprocidade.
No que diz respeito ás contribuições culturais dos indígenas, Freyre chamou a atenção para a “couvade”; para a finidade com os animais; para o “mito do bicho” que designou como sobrevivência de tendências totêmicas e animistas presentes, entre outros exemplos, nas histórias horripilantes de bichos-papões que comem crianças para o complexo da mandioca, para o “mito do anjo menino”, ou seja, a valorização das crianças mortas, operada pelos jesuítas a fim de responder à terrível mortandade infantil entre os curumins.
Entretanto, a abordagem de Freyre valoriza, sobretudo o aporte cultural africano, destacando-lhe o caráter positivo mostrando que tudo quanto se lhe imputou como tração negativo dizia respeito antes à escravidão.
Parece as vezes influência da raça o que é influência pura e simples do escravo do sistema social da escravidão. Da capacidade imensa desse sistema para rebaixar moralmente senhores e escravos. Se índios e lusos eram tristonhos e melancólicos, o negro trouxe à mistura cultural uma extraordinária alegria e vitalidade. Influenciou as crenças, os costumes, a fala. A língua portuguesa, tão dura, dada a colocar os pronomes em ênclise, foi amolecida pelo negro, que lhe abrandou os SS e os RR, criando uma linguagem falada de crianças grandes que acabou por se generalizar.
A percepção da mestiçagem cultural é traço estruturante na obra de Freyre, cabe destacar outros assuntos que, mais acessórios, abrem, contudo possibilidades inestimáveis para a investigação. Assim, o relevo dado às relações sexuais e á religiosidade popular, considerados objetos dignos de análise e ricos em elementos explicativos da cultura brasileira, mesmo que a perspectiva então adotada não se sustente nos dias que correm.
Na realidade, a sexualidade surge como temática subordinada à questão mais ampla da mestiçagem, desdobrando-se em constatações discutíveis sobre o priapismo do africano ou a menor lubricidade do índio. De qualquer forma, ninguém, ante de Freyre, se detivera com tal vagar da questão, o que lhe confere precedência de mais de quarenta anos sobre interesse muito atual na história das mentalidades francesas ou na história cultural dos anglo-saxões.
O sadismo sexual, imperante nas relações entre senhores e escravos, permanecem antológicas: sadismo manifestado desde a infância, nos “meninos diabos” a se beliscarem e a darem bolos uns nos outros, e atingindo a plenitude na idade adulta: “a exagerada tendência para o sadismo característica do brasileiro, nascido e criado em casa-grande, principalmente em engenho”. E alguns insights, relegados á condição de nota de rodapé, têm suscitado bons estudos contemporâneos.
No tocante à religiosidade, indica a efetivação da vida religiosa e a sexualização dos santos como traços fundamentais da religiosidade luso-brasileira. De Casa Grande & Senzala caberia ressaltar que não se trata de estudo sistemático sobre o período colonial, mas de miscelânea iluminada sobre a história do Brasil até o final do século XIX. Apesar dessa inegável atemporalidade, o produto final revela aspectos até então nunca abordados da cultura na América portuguesa, razão por que influenciou decisivamente os estudos posteriores sobre esse período.
Análise epistemológica
Preocupado, como os de sua geração, com a questão da raça e atento à intensa miscigenação ocorrida no país, Freyre buscou explicar-lhe o significado, concebendo uma sociedade de tipo paternalista, onde as relações de caráter pessoal assumiam vital importância. A família patriarcal foi a base do sistema: resultante da transplantação e adaptação da família portuguesa ao ambiente colonial brasileiro, constituía uma vasta e hierárquica rede de parentesco, uma “ordem privada” impermeável a formas públicas de organização e controle.
Na sociedade assim estabelecida, predominavam a empatia entre as raças e a amenidade na relação senhor-escravo, características que explicariam a miscigenação e seriam peculiares no quadro geral do escravismo americano.
Em defesa de suas idéias, não hesitaria o autor de Casa Grande e senzala em idealizar as práticas escravistas e mesmo exagerar-lhes os resultados, ao dizer que o cativo talvez tenha sido “ o elemento melhor nutrido de nossa sociedade patriarcal”, que os castigos a ele infligidos tinham por finalidade educar e disciplinar, que as “numerosas” alforrias, em conjunto, teriam constituído “antecipações nada insignificantes ao Treze de Maio”.
Paradoxal, como ele próprio se qualificaria, Gilberto Freyre foi um “conservador-revolucionário”. Isto é, revolucionário quanto ao método, antropológico-cultural, quanto à originalidade dos fatos e à força de interpretação dos mesmos, provocou a mudança de curso das idéias pseudo-científicas sobre a inferioridade da raça negra, ao destacar de modo incisivo as raízes africanas e a importância destas na cultura brasileira. Mas foi conservador também. Seus argumentos para ressaltar a benignidade da escravidão revelam ter sido influenciado pelo pensamento conservador do século XIX, cuja substância seria “a apologia do passado e a conseqüente defesa do status quo”.
Algumas frases soam familiares quando se lê em Gilberto Freyre que a escravidão brasileira moderada e que os cativos seriam talvez mais felizes no Brasil patriarcal do que, quando na África negra, oprimidos por sobas e, sobretudo, maltratado nas próprias tribos: vítimas, por vezes, de tirânicas opressões tribais sob o aspecto de ritos compressores.
As idéias de Freyre reforçaram os mitos da brandura do senhor, da submissão do escravo. Ele generalizou para o Brasil e para toda a massa escrava uma interpretação calcada apenas no nordeste canavieiro e no escravo doméstico. Essa extrapolação é totalmente infundada no escravismo colonial, em que a maioria esmagadora dos escravos se destinou ao trabalho produtivo. Um escravismo patriarcal brasileiro, familialista e benevolente para com os escravos, não lidam, afinal de contas, senão com uns poucos fiapos pinçados do tecido sócio-histórico.
Ao generalizar sobre o espaço e tempo, Gilberto Freyre deixa de lado a dinâmica do processo histórico, ignora a historicidade da escravidão: “ a constante empatia com que trabalhou, não foi complementada por uma compreensão dos andamentos, desenvolvimentos, descontinuidades e antagonismos que produziram a s transformações e o eclipse da escravatura.
A miscigenação existiu em todos os sistemas escravistas e nem por isso alterou a situação do escravo ou desestabilizou a instituição. Portanto, está longe de desempenhar o papel que lhe foi atribuído por Freyre, cujas afirmações tiveram uma intencionalidade ideológica: a de justificar o passado escravista.